clear drinking glass with brown liquid

Leite A2: definição, saúde e rentabilidade

O leite A2 provém de vacas que produzem apenas a variante A2 da proteína β-caseína, enquanto o leite convencional geralmente contém tanto A1 quanto A2. A β-caseína A1 e A2 diferem em um único aminoácido na posição 67: a A1 tem histidina (His) e a A2 prolina (Pro)

PRODUÇÃO ANIMAL

8/22/20258 min ler

O leite A2 provém de vacas que produzem apenas a variante A2 da proteína β-caseína, enquanto o leite convencional geralmente contém tanto A1 quanto A2. A β-caseína A1 e A2 diferem em um único aminoácido na posição 67: a A1 tem histidina (His) e a A2 prolina (Pro) (1). Essa mutação (ocorrida há cerca de 4.000–5.000 anos) permite que a β-caseína A1 libere durante a digestão um peptídeo chamado β-casomorfina-7 (BCM-7) (2), um opioide vegetal com possível efeito inflamatório. Em contraste, a digestão da β-caseína A2 não produz BCM-7, mas sim um peptídeo distinto (β-casomorfina-9) com propriedades antioxidantes (2). Em resumo:

  • Genética e estrutura: A1 tem His^67; A2 tem Pro^67 (1).

  • Digestão: A1 libera BCM-7 (um peptídeo opioide de 7 aminoácidos) ao ser hidrolizada (2), enquanto A2 não produz BCM-7.

  • Razões históricas: Originalmente, todas as vacas produziam A2 (assim como o leite humano), e a variante A1 surgiu por mutação durante a domesticação (3).

Digestibilidade e sintomas gastrointestinais

Tem sido sugerido que o leite A2 seria mais digerível ou causaria menos desconforto intestinal em pessoas sensíveis. Estudos clínicos apoiam parcialmente essa ideia: por exemplo, um ensaio duplo-cego com 41 adultos descobriu que o leite com β-caseína A1 aumentou a consistência dura das fezes e a inflamação intestinal (calprotectina) em comparação com o leite A2 (4). Nesse estudo, a dor abdominal se correlacionou com a consistência fecal no grupo A1, mas não no A2 (4). Ensaios semelhantes mostraram que consumidores com intolerância subjetiva ao leite relatam menos dor abdominal, urgência fecal e outros desconfortos digestivos ao consumir leite A2 em vez de leite convencional (misto A1/A2) (4, 5). Em crianças em idade pré-escolar com baixa tolerância ao leite, a substituição do leite normal por leite A2 reduziu significativamente a gravidade dos sintomas gastrointestinais (dor abdominal, frequência e consistência das evacuações) (5).

Revisões sistemáticas baseadas nesses estudos clínicos resumem que existe, de fato, uma tendência a mais desconforto digestivo com a β-caseína A1 em indivíduos sensíveis (4, 5). Foi observado, além disso, que o leite A1 pode atrasar o trânsito intestinal e aumentar marcadores inflamatórios em alguns indivíduos (4, 6). No entanto, a evidência não é uniforme e depende do tipo de consumidor. Por exemplo, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) concluiu que não há uma relação causa-efeito comprovada entre o consumo de BCM-7 (ou leite A1) e doenças crônicas em humanos, como diabetes tipo 1 ou doenças cardiovasculares (7, 8). No entanto, é reconhecido que em populações especiais (crianças lactentes, pessoas com aumento da permeabilidade intestinal) o BCM-7 poderia ser detectado no sangue e associado a sintomas (8, 9). Em resumo, a quantidade de lactose é a mesma em ambos os leites, mas a β-caseína A1 pode agravar os sintomas gastrointestinais em pessoas sensíveis, para além da intolerância à lactose (10, 11).

Composição nutricional e propriedades tecnológicas

Nutricionalmente, o leite A2 e o A1 convencionais são muito semelhantes. Estudos comparativos mostram que a composição global de macronutrientes (proteínas totais, gordura, carboidratos, minerais) mal difere entre os genótipos (12). Pequenas diferenças foram relatadas: por exemplo, o leite A2 pode ter ligeiramente mais proteína total e gordura que o A1, assim como um perfil de aminoácidos um pouco diferente (mais leucina) (13). Na tecnologia de laticínios, porém, aparecem mudanças: a β-caseína A2 influencia a coagulação e a gelificação. Algumas pesquisas indicam que o leite A2 forma coalhadas mais fracas e géis mais lentos ao coalhar, e que tem maior capacidade emulsificante, mas menor capacidade espumante do que o A1 (14, 15). Na prática queijeira, o leite A2 geralmente resulta em menor firmeza do queijo em comparação com o leite A1 (16, 17). No entanto, as diferenças sensoriais (sabor, odor, textura) são mínimas: o público quase não percebe mudanças na cor ou no sabor (18).

Evidência científica e posições oficiais

A literatura científica contém estudos positivos, negativos e revisões neutras sobre o leite A2. Ensaios controlados (Hoj também mencionado) encontraram que o consumo de leite A2 em vez de leite convencional reduz alguns sintomas de má tolerância ao leite (4, 5). No entanto, outras pesquisas e avaliações oficiais alertam que as evidências ainda são limitadas. Por exemplo, o US Dairy Board afirma que “a ciência é limitada” e que, até agora, as diferenças gastrointestinais detectadas foram menores (mudanças na consistência das fezes) e não conclusivas (19). A EFSA (2009) realizou uma revisão exaustiva da literatura e concluiu que não existe evidência sólida de que a ingestão de BCM-7 via leite A1 cause doenças humanas como diabetes ou autismo (7, 8). Paralelamente, várias meta-análises recentes (2017–2021) confirmam que a β-caseína A1 pode atrasar o trânsito intestinal, mas não encontraram uma relação clara com riscos cardiovasculares ou endócrinos (6). Consequentemente, organismos reguladores e revisores não emitiram advertências de saúde específicas sobre o leite A1/A2; na verdade, concordam que, do ponto de vista nutricional, ambos os leites são equivalentes e fornecem os mesmos nutrientes básicos (7, 20).

Produção pecuária e aspectos econômicos

A produção de leite A2 exige seleção genética e uma cadeia de suprimentos dedicada. Muitas raças leiteiras convencionais (Holstein, Ayrshire, Jersey, etc.) são portadoras de alelos tanto A1 quanto A2. Por exemplo, em raças europeias, a Guernsey tem cerca de 92% de vacas A2, enquanto a Holstein ou a Ayrshire têm aproximadamente 60% de A1 (21). Para garantir leite 100% A2, os pecuaristas devem genotipar suas vacas (por meio de teste de DNA) e separar a produção desde a ordenha: ordenhar vacas A2 separadamente, com tanques independentes, transporte e processamento isolados (22, 23).

  • Raças e genética: Os criadores podem escolher raças ou linhagens com alta frequência A2, ou usar reprodutores A2/A2. Os testes genéticos atuais estão cada vez mais econômicos (22).

  • Infraestrutura: Ao ordenhar separadamente, os custos operacionais aumentam. É fundamental manter a rastreabilidade, pois misturar um pouco de leite A1 "contamina" o produto premium. Na Galiza (Espanha), a cadeia A2 é certificada com ordenha e transporte independentes (23).

  • Preço e rentabilidade: O leite A2 geralmente é comercializado com um prêmio de preço. Por exemplo, a empresa The A2 Milk Company paga a seus produtores 5–7% a mais (24). Estudos de mercado indicam que consumidores europeus estão dispostos a pagar cerca de €0,20–€0,30 a mais por litro de leite A2 do que pelo convencional (25) (embora em outras regiões a disposição a pagar extra seja menor). O projeto galego Leite Noso assinou contratos de longa duração para seus pecuaristas precisamente por essa diferença de preço e pela estabilidade que ela oferece (26).

  • Oportunidades: Tornar-se um fornecedor de leite A2 abre acesso a nichos de mercado com alta demanda (pessoas sensíveis ou de alto poder aquisitivo). Alguns pecuaristas o consideram "uma pequena revolução" para agregar valor ao produto nacional (26).

  • Desafios: É necessário demonstrar cientificamente os benefícios para justificar o investimento. Além disso, existe o risco de fraude: já há denúncias de leite rotulado como A2 que é misturado com leite comum (27), o que exige controles e certificações rigorosos.

Em resumo, a pecuária A2 implica um investimento inicial (testes genéticos, logística separada) e um mercado majoritariamente premium, mas oferece contratos melhorados e diferenciação de produto. Sua viabilidade econômica depende da demanda local e do cumprimento de padrões de qualidade.

Mercado mundial e tendências de consumo

O interesse global pelo leite A2 cresceu nas últimas duas décadas. A pioneira foi a Nova Zelândia: em 2003, a The A2 Milk Company foi lançada e, rapidamente, o leite A2 conquistou cerca de 10% do mercado de laticínios na Austrália (28). Desde então, a produção A2 se expandiu para os Estados Unidos, China, Índia, Europa e outros mercados (28, 29). Destacam-se:

  • Oceania e EUA: A The A2 Milk Company (NZ/Austrália) lidera o setor; marcas locais nos EUA (p.ex., supermercados Westfarms ou Costco) também oferecem leite A2.

  • Ásia: Na Índia, a cooperativa GCMMF (marca Amul) comercializa leite de vacas desi selecionadas (novilhas nativas) como A2 sob o nome Amul Deshi A2 (30). A China importa leite A2 e desenvolve a criação de raças A2 em fazendas.

  • Europa: Projetos emergentes (p.ex., Espanha com “Deleite” (23), França e Reino Unido com lançamentos artesanais). A Arla Foods introduziu o leite A2 no norte da Europa (p.ex., “Arla® A2”) e lançará fórmulas infantis com caseína A2 (29).

  • América Latina: Empresas de laticínios no Brasil e na Índia mostram interesse; o mercado regional ainda é incipiente, mas com pesquisas e alianças em andamento.

Estudos de mercado refletem um forte crescimento da demanda. Projeta-se que o mercado global de leite A2 atinja aproximadamente US$ 6,93 bilhões em 2029 (CAGR de cerca de 21,7%) (31). Na Europa, estima-se um valor de cerca de US$ 635,5 milhões em 2024, com uma taxa de crescimento composto anual de cerca de 18% (32). Essas previsões respondem à tendência de consumidores que buscam alimentos “fáceis de digerir” ou com potencial benefício para a saúde (33, 34). Por outro lado, a oferta comercial se diversifica (leites líquidos, em pó, iogurtes e queijos A2), e a rotulagem clara também cresce: muitas marcas destacam na embalagem "apenas caseína A2" ou logos específicos.

Conclusões

O leite A2 não é um produto mágico, mas oferece possíveis vantagens em certos casos. Em síntese:

  • Estudos clínicos mostram alívio de sintomas gastrointestinais (dor, inchaço, frequência de evacuações) em pessoas com intolerância subjetiva ao consumirem apenas leite A2 em vez de leite A1/A2 (4, 5).

  • No entanto, não há evidência conclusiva de que o leite A2 previna doenças crônicas (diabetes, cardiovasculares, autismo) além do que o leite normal já oferece (7, 8). Organismos como a EFSA declararam que, até agora, a β-casomorfina-7 derivada de A1 não causa efeitos nocivos mensuráveis em adultos saudáveis (7, 8).

  • Nutricionalmente, ambos os leites são equivalentes: fornecem os mesmos macro/micronutrientes essenciais. As diferenças proteicas e tecnológicas são muito pequenas (p.ex., consistência do queijo) (12, 35).

  • Saúde digestiva: a lactose é igual em A1 e A2, mas os estudos indicam que o A2 pode reduzir o desconforto em consumidores sensíveis, para além da lactose (5, 10).

  • Econômico: o leite A2 pode melhorar a rentabilidade do pecuarista por meio de preços premium e contratos estáveis (24, 26). No entanto, exige investimento em manejo diferenciado e em uma cadeia certificada.

  • Viabilidade comercial: o mercado A2 cresce rapidamente em vários países, mas por enquanto é um nicho de mercado. Seu sucesso futuro dependerá de mais provas de benefício e da manutenção da confiança do consumidor (evitando fraudes) (26, 27).

Em conclusão, o leite A2 pode oferecer uma opção valiosa para consumidores com desconforto ao tomar leite normal, e representa uma oportunidade de diferenciação comercial. No entanto, seus supostos benefícios universais para a saúde ainda não foram plenamente demonstrados, por isso, recomenda-se que a informação seja interpretada com discernimento e que se acompanhem os estudos científicos em andamento (4, 7).

Referências: Estudos científicos e relatórios citados no texto (1, 2, 4, 5, 7, 8, 12, 22, 23, 24, 26, 31, 32, 35) (Ver lista de fontes conectadas.).

(1, 12,13, 16, 17, 18, 21, 22, 24, 25, 27, 28, 34) A2 Milk: New Perspectives for Food Technology and Human Health

https://www.mdpi.com/2304-8158/11/16/2387

(2) ri-ng.uaq.mx

https://ri-ng.uaq.mx/bitstream/123456789/11179/1/CNMAC-317851.pdf

(3, 23, 26, 29) Ganaderos gallegos lanzan una marca de leche A2: “Es el futuro del sector” | Economía | EL PAÍS

https://elpais.com/economia/2021-08-27/ganaderos-gallegos-lanzan-una-marca-de-leche-a2-es-el-futuro-del-sector.html

(4) Comparative effects of A1 versus A2 beta-casein on gastrointestinal measures: a blinded randomised cross-over pilot study - PubMed https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24986816/

(5) Efectos de la leche convencional frente a la leche que contiene solo B-Caseína A2 en la digestión

https://www.puntalitospediatricos.com/post/efectos-de-la-leche-convencional-frente-a-la-que-contiene-solo-b-case%C3%ADna-a2-en-la-digesti%C3%B3n-de-ni%C3%B1os

(6, 7,14,15, 35) A2 milk consumption and its health benefits: an update - PMC

https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10806982/

(8, 9, 10, 11) La verdad sobre la leche A1 y A2

https://www.eldiario.es/consumoclaro/tu-mejor-yo/verdad-leche-a1-a2_1_1131305.html

(19, 20) Understanding the Science Behind A2 Milk | U.S. Dairy

https://www.usdairy.com/news-articles/understanding-the-science-behind-a2-milk

(30, 31, 33) Se espera que el mercado de leche A2 aumente con una CAGR del 21,7 % para 2029

https://www.databridgemarketresearch.com/es/news/global-a2-milk-market?srsltid=AfmBOoqfRDjBLHtP0PzWIGXueOw3ah0HAwhoF5mq-RMHbH3ovrnsKoNw Europe A2

(32) Milk Market Size & Outlook, 2030

https://www.grandviewresearch.com/horizon/outlook/a2-milk-market/europe