Avicultura Livre de Antibióticos: Contexto Global
A avicultura intensiva utilizou antibióticos promotores de crescimento (APC) desde os anos 1940–50 para melhorar a conversão alimentar.
PRODUÇÃO ANIMAL
8/27/20258 min ler
A avicultura intensiva utilizou antibióticos promotores de crescimento (APC) desde os anos 1940–50 para melhorar a conversão alimentar. Em 1969, o Relatório Swann recomendou vetar antibióticos de importância humana como APC (1). Entre 1986 e 2006, a Europa proibiu gradualmente os APC (Suécia em 1986; avoparcina em 1997; UE completa em 2006) (1). Coreia do Sul, Chile e Turquia também implementaram restrições (2). A retirada dos APC foi impulsionada pelo princípio da precaução (risco teórico de disseminar resistências do campo para a população humana) (3).
Uso Subterapêutico e Resistência Antimicrobiana
O uso rotineiro de antibióticos em doses subterapêuticas em aves afeta a microbiota intestinal, elimina bactérias sensíveis e seleciona cepas resistentes (4). A OMS e a OMSA advertem que o abuso de antibióticos em animais acelera a resistência antimicrobiana (RAM), ameaçando a saúde pública (5, 6). Em alguns países, cerca de 70–80% dos antibióticos de importância médica são usados na produção animal (7, 8). Estudos globais confirmam a estreita correlação entre o uso de antimicrobianos na produção pecuária e o aumento da RAM em patógenos humanos e animais (5, 9). A OMS conclui que restringir antibióticos na produção avícola reduz a prevalência de bactérias resistentes em até 39% (10). Por isso, recomenda evitar qualquer uso profilático ou para crescimento em animais saudáveis e reservar os antibióticos críticos para os humanos (11, 12).
Regulamentações e Proibições Globais
Diante da RAM, a Europa lidera com proibições estritas: em 2006, vetou todos os APC (1, 13). A FDA dos EUA empreendeu medidas semelhantes em 2012–17: orientou a eliminação gradual dos antibióticos de crescimento e, desde 2017, instituiu o Veterinary Feed Directive, que transferiu todos os antibióticos importantes para o status de prescrição veterinária, eliminando seu uso "para crescimento" (14, 15). Na América Latina, vários países seguiram essa pauta. Por exemplo, o Brasil proibiu em 2020 a tilosina, lincomicina e tiamulina (importantes em humanos) como APC (16), em concordância com a posição conjunta OMS/OMSA/FAO de eliminar os antibióticos críticos como promotores (17). Da mesma forma, vários países das Américas restringem ou proibiram a colistina em animais, um antibiótico de último recurso humano (18, 19). Na Ásia, a China anunciou regulamentações estritas para 2020, proibindo múltiplos APC (incluindo a colistina) e fortalecendo o controle de resíduos (20). Em síntese, a tendência global é reduzir ou eliminar os APC e regulamentar os antibióticos críticos (classificados pela OMS) para preservar sua eficácia na medicina humana (6, 12).
Desafios Produtivos sem Antibióticos
Eliminar os APC apresenta desafios sanitários, especialmente em fases críticas. Durante o arranque (pintinhos recém-nascidos), há alto risco sanitário: as aves jovens dependem da imunidade inata e de uma microbiota equilibrada que ainda está em desenvolvimento (21, 22). A produção moderna identifica as fases inicial e final do ciclo como pontos críticos onde a doença é transmitida verticalmente (de reprodutoras para pintinhos) (23). Nessas etapas, a ausência de antibióticos profiláticos pode aumentar a mortalidade precoce e os problemas entéricos.
O estresse calórico agrava esses problemas. Sabe-se que o calor excessivo desregula o sistema imunológico e a digestão, reduzindo o crescimento. De fato, o único coccidiostático químico de longa eficácia, a nicarbazina, não pode ser usado em climas muito quentes devido a interações adversas com o estresse térmico (24). Assim, no verão ou em altas densidades térmicas, o controle de parasitas e bactérias entéricas se complica ainda mais.
Sem antibióticos, a coccidiose e a enterite necrótica (EN) são ameaças críticas. As lesões por Eimeria predispõem fortemente a surtos de EN por Clostridium perfringens (25). Ao suspender os anticoccidios ionóforos e os APC, aumentam os casos de coccidiose e de EN, piorando o índice de conversão e a mortalidade (25, 26). Por exemplo, em um estudo, foi relatado que suspender tratamentos com antibióticos ou coccidiostáticos aumentou significativamente os surtos clínicos e subclínicos de enterite necrótica (26). Controlar essas doenças hoje exige a rotação de vacinas e químicos, sistemas de manejo mais rigorosos e aditivos alternativos, pois sem eles os animais "livres de antibióticos" sofrem perdas de peso e de saúde intestinal.
Alternativas Técnicas Viáveis
Para compensar a retirada de antibióticos, várias estratégias integradas estão disponíveis. Os probióticos e simbióticos (bactérias vivas administradas em água ou ração, por exemplo, Bacillus) fortalecem a microbiota intestinal (27). Os prebióticos (oligossacarídeos fermentáveis como MOS, FOS, XOS) estimulam bactérias benéficas (28). Os ácidos orgânicos (ácido butírico, fórmico, propiônico, etc.) mantêm a barreira intestinal e reduzem patógenos (29). As enzimas digestivas (fitases, xilanases, proteases) otimizam a digestão e reduzem os substratos para bactérias nocivas (30). Os fitogênicos (extratos de plantas e óleos essenciais) proporcionam propriedades antimicrobianas, anti-inflamatórias e antioxidantes à ração. Também são usados adsorventes de toxinas (para neutralizar micotoxinas) e agentes quelantes de amoníaco (para melhorar as condições da cama).
Além disso, as vacinas específicas são fundamentais: vacinas vivas ou inativadas contra a coccidiose previnem o parasita; e programas de vacinação de reprodutoras contra Salmonella reduzem drasticamente a contaminação de pintinhos (31). Paralelamente, a biosseguridade e o manejo ambiental são reforçados: densidades de alojamento moderadas, ventilação adequada, limpeza exaustiva e água livre de patógenos são requisitos-chave (32). A nutrição de precisão (dietas formuladas por fases, aminoácidos digestíveis, níveis ajustados de proteína, uso de grãos inteiros, balanço de eletrólitos, etc.) completa a abordagem, pois aves bem nutridas enfrentam melhor os desafios sanitários.
Em conjunto, essas ferramentas formam um pacote integral. Não existe uma "varinha mágica": a experiência indica que é preciso combinar várias dessas estratégias para manter a saúde intestinal. No México, por exemplo, granjas "livres de antibióticos" de sucesso usaram vacinas vivas contra coccidiose, probióticos, prebióticos, ácidos orgânicos e óleos essenciais, junto com biosseguridade estrita, obtendo melhor rendimento e menor mortalidade do que as granjas convencionais (33).
Casos de Sucesso e Evidência de Impacto
Em vários países, há exemplos de produção em massa sem antibióticos. Nos Estados Unidos, as principais empresas avícolas adotaram linhas “Raised Without Antibiotics” (RWA). A Perdue Farms – quarto maior produtor nacional – rotulou seu frango RWA em 2007 e, em 2016, anunciou a eliminação de todos os antibióticos, exceto os tratamentos curativos (aplicados em apenas 3% de suas aves) (15). A Tyson Foods seguiu em 2017 com uma política similar, eliminando o uso rotineiro até de ionóforos (34). Como resultado, a participação de frangos RWA cresceu notavelmente nos últimos anos.
Em termos sanitários, estudos recentes mostram que um bom manejo pode compensar a ausência de antibióticos. Por exemplo, uma análise comparativa na Itália descobriu que lotes "livres de antibióticos" bem manejados não exibiram pior saúde do que os convencionais; de fato, os frangos "livres de antibióticos" tiveram menor incidência de lesões como úlceras plantares e uma taxa de morte ainda mais baixa (2,34% vs. 2,50%) (35). Essas pesquisas sugerem que, se acompanhadas de práticas de bem-estar (gestão de camas, ventilação, imunização, genética resistente), as aves sem antibióticos podem alcançar padrões de saúde similares aos tradicionais.
Economicamente, o balanço é misto. Vários trabalhos concordam que a criação "livre de antibióticos" implica maiores custos de produção – em alguns casos, estima-se em 15–20% adicionais (36) – devido ao uso intenso de insumos alternativos e a densidades menores. No entanto, esses custos foram compensados em parte por prêmios de preço em mercados de consumo premium e economia em formulações farmacológicas. Além disso, as experiências empresariais indicam que a produtividade (ganho diário, conversão) pode ser mantida em níveis competitivos com o pacote sanitário adequado. Em resumo, a evidência sanitária mostra viabilidade técnica, e a evidência econômica sugere que os maiores custos iniciais podem ser cobertos por preço/prêmio de mercado (15, 36).
Desafios em Ambientes de Baixa Biosseguridade
Em países com nível básico de manejo e biosseguridade limitada, a transição para a produção "livre de antibióticos" é especialmente desafiadora. A OPS/OMSA/FAO advertem que o uso excessivo ou inadequado de antimicrobianos na agricultura sem supervisão profissional acelera a RAM em granjas de baixo recurso (6). Nessas regiões, a disponibilidade de alternativas de alto nível é escassa e as doenças aviárias circulam mais livremente.
Como apontam especialistas latino-americanos, a mudança tecnológica implica riscos sanitários e custos adicionais que a indústria local teme não poder absorver (37). Em países exportadores (por exemplo, Brasil), os avanços em direção à produção "livre de antibióticos" foram guiados por exigências de mercados externos, mas na maioria da região o setor avícola ainda usa APC de forma responsável (respeitando períodos de carência) devido à falta de demanda interna e à prioridade de manter baixos os custos de produção (37). Em síntese, em ambientes com biosseguridade e recursos limitados, a eliminação de antibióticos exige investimentos importantes em infraestrutura, capacitação e acesso a tecnologias alternativas; caso contrário, o risco sanitário e econômico pode ser proibitivo.
Conclusões: Moda ou Evolução Inevitável?
A avaliação técnica indica que a avicultura livre de antibióticos vai além de uma moda passageira. É respaldada por uma convergência de evidências sanitárias e políticas internacionais. Organismos como a OMS, a FAO e a OMSA insistem que a redução do uso de antibióticos em animais – especialmente os críticos para a medicina humana – é urgente para preservar a saúde pública (5, 38). Essa premissa inspirou regulamentações globais (proibições na UE, políticas da FDA, alertas sobre colistina) e um forte impulso de mercado (consumidores dispostos a pagar mais por produtos “sem antibióticos”) (13, 15).
Tecnicamente, os experimentos e as experiências comerciais demonstram que, com um manejo adequado, é possível criar aves sem antibióticos mantendo a saúde do lote (33, 35). No entanto, a transição tem um custo e apresenta novos desafios (biosseguridade, nutrição, doenças entéricas) que devem ser resolvidos. Em conjunto, tudo aponta para que essa virada na produção avícola não seja uma tendência meramente mercadológica, mas uma evolução necessária. Responde à evidência de que o modelo tradicional de pecuária precisa se adaptar para enfrentar a crise da resistência antimicrobiana sob a abordagem de “Saúde Única”, equilibrando sustentabilidade econômica e segurança sanitária (38, 39).
Referências: Estudos científicos e relatórios da FAO, OIE, OMS e entidades especializadas (1, 4, 5, 6, 15, 16, 24, 26, 27, 33, 35, 37) respaldam os pontos expostos.
(1, 3) aviagen.com
(2, 4, 20) La última chance de los antibióticos como promotores de crecimiento - aviNews, la revista global de avicultura
https://avinews.com/el-ultimo-chance-de-los-antibioticos-como-promotores-de-crecimiento/
(5, 7, 10, 11, 12, 13, 38) Dejemos de administrar antibióticos a animales sanos para prevenir la propagación de la resistencia a los antimicrobianos
(6, 18, 19) ¿Por qué la región de las Américas avanza hacia la prohibición y restricción del uso de colistina en producción animal? - OPS/OMS | Organización Panamericana de la Salud
(8, 9) A Review of Antimicrobial Resistance in Poultry Farming within Low-Resource Settings - PMC
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7460429/
(14) Timeline of FDA Action on Antimicrobial Resistance | FDA
(15, 34) The Market for Chicken Raised Without Antibiotics, 2012-17
https://ers.usda.gov/sites/default/files/_laserfiche/publications/102187/EIB-224.pdf
(16, 17) Brasil prohíbe el uso de antibióticos como promotores del crecimiento - Noticias - 3tres3 LATAM, la página del Cerdo
(21, 22, 23, 26) Producir aves de corral sin antibióticos: ¡Es perfectamente posible!
https://avinews.com/producir-aves-de-corral-sin-antibioticos-es-perfectamente-posible/
(24, 25, 32, 36) Desafíos en la producción de pollo libre de antibióticos: salud intestinal - El Sitio Avicola
(27, 28, 29, 30, 31, 33) Alternativas a antibióticos promotores del crecimiento en avicultura
https://avinews.com/alternativas-a-antibioticos-promotores-del-crecimiento-en-avicultura/
(35) Animal Welfare Assessment in Antibiotic-Free and Conventional Broiler Chicken - PMC
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8532607/
(37, 39) Desafíos del reemplazo de los antibióticos promotores del crecimiento -
https://avinews.com/desafios-del-reemplazo-de-los-antibioticos-promotores-del-crecimiento/
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