Aproveitamento de Resíduos Agroindustriais na Alimentação Animal
A crescente agroindústria gera toneladas de resíduos orgânicos (palhas, bagaços, polpas, cascas, engaços, soro de leite, etc.) que tradicionalmente são descartados, causando problemas ambientais. No entanto, esses materiais contêm nutrientes valiosos que podem ser reintroduzidos no ciclo produtivo como alimentos para animais.
PRODUÇÃO ANIMALPLANTAS E CULTURAS
9/16/20257 min ler
A crescente agroindústria gera toneladas de resíduos orgânicos (palhas, bagaços, polpas, cascas, engaços, soro de leite, etc.) que tradicionalmente são descartados, causando problemas ambientais. No entanto, esses materiais contêm nutrientes valiosos que podem ser reintroduzidos no ciclo produtivo como alimentos para animais. De fato, os subprodutos agroindustriais costumam ser ricos em fibra, proteínas e compostos bioativos. Seu uso responde tanto à necessidade de reduzir custos na alimentação (substituindo grãos importados) quanto a objetivos ambientais (diminuir resíduos e a pegada de carbono) (1). Organismos de pesquisa relatam programas nacionais onde foram elaboradas tabelas de valor nutritivo e níveis máximos de inclusão desses resíduos por espécie animal.
Classificação de Resíduos Agroindustriais Úteis
Os resíduos agroindustriais podem ser agrupados por origem. Distinguem-se, por exemplo, os derivados de cereais (farelos, cascas de grãos) e seus processamentos; de raízes e tubérculos (polpa de beterraba, cascas de batata); de oleaginosas (tortas de semente de soja, girassol, canola); de frutas e hortaliças (polpa de frutas cítricas, bagaço de azeitona, polpa de tomate, resíduos vegetais) (2). Também figuram subprodutos da cana-de-açúcar (bagaço, melaço) e da indústria cervejeira (grãos de malte, levedura gasta) ou láctea (soro de leite). Na prática, a oferta local de resíduos varia de acordo com a região: por exemplo, em áreas mediterrâneas, abundam os resíduos de azeitona, uva e tomate (3). A diversidade de materiais exige avaliar cada um: alguns são fibrosos, outros ricos em amido ou proteína, e todos requerem conhecimento de sua composição antes de formular a dieta (4).
Vantagens do Uso de Resíduos Agroindustriais
Econômicas: Reduzem o custo da dieta ao substituir parcialmente grãos ou forragens convencionais. Por exemplo, no Chile, o aumento dos preços dos insumos tem motivado produtores a buscar alternativas baratas de “bom valor nutritivo”. O aproveitamento de resíduos próximos à fazenda evita gastos com transporte de matérias-primas estrangeiras.
Ambientais: Diminuem a poluição por resíduos agroindustriais (evitando sua decomposição no campo) e reduzem a pegada de carbono do sistema. Estudos espanhóis destacam que reciclar essas fontes na alimentação animal favorece a economia circular, reduz a dependência de importações e as emissões de metano entérico (1).
Nutricionais: Muitos subprodutos fornecem nutrientes úteis. Por exemplo, os farelos de trigo ou sorgo são ricos em fibra alimentar e oferecem proteínas de boa qualidade; a polpa de frutas cítricas contém carboidratos fermentáveis de rápida degradação no rúmen. Resíduos como a polpa de tomate ou a borra de vinho fornecem proteína e metabólitos secundários benéficos, e o bagaço de azeitona inclui gorduras e compostos fenólicos. O soro de leite, embora líquido, é abundante em lactose, gordura e proteínas de alto valor biológico. Juntos, esses recursos podem melhorar a densidade energética e proteica da ração e adicionar componentes funcionais (fibras fermentáveis, antioxidantes, probióticos) que favorecem a saúde digestiva dos animais.
Limitações e Riscos
Contaminantes físicos e químicos: Os subprodutos podem conter material estranho (metal, vidro, pedras) da cadeia de produção, o que pode causar danos físicos ao animal. Também podem abrigar resíduos de agroquímicos ou medicamentos veterinários (pesticidas em frutas, antibióticos em camas de aves). A presença de bolores ou outros patógenos (fungos em cascas ou forragens) pode introduzir micotoxinas perigosas. Embora não impeçam totalmente seu uso, esses riscos obrigam a adotar medidas de controle e a manter níveis de inclusão conservadores.
Variabilidade nutricional: A composição dos resíduos pode flutuar de acordo com a estação e o processo industrial. Enquanto alguns subprodutos padronizados oferecem composição regular, outros (como polpas frescas ou subprodutos de colheita) mostram grande variação entre lotes (4). Por isso, é crucial analisar seu conteúdo de nutrientes (proteína, fibra, energia) antes de usá-los.
Palatabilidade: Alguns resíduos podem ser menos apetitosos. Por exemplo, penas de aves requerem tratamento especial (autoclave ou hidrólise) para serem digeríveis, e produtos com sabores ou odores fortes podem diminuir o consumo pelos animais. Frequentemente, adicionam-se melaço ou aditivos aromatizantes para melhorar a aceitação.
Conservação: Muitos subprodutos têm alto teor de água (por exemplo, polpa de frutas cítricas com 65-70% de umidade), o que dificulta seu transporte e armazenamento sem perder qualidade. É comum ensilá-los para conservação em anaerobiose. No entanto, a ensilagem modifica a composição original e pode produzir álcoois ou outros metabólitos que, em excesso, podem ser tóxicos. Em geral, recomenda-se secar ou ensilar os resíduos úmidos para eliminar microrganismos patogênicos, e em alguns casos tratá-los com álcalis (por exemplo, hidróxido de cálcio) para melhorar sua digestibilidade. A degradação enzimática de lipídios (no caso de sementes ou tortas com gordura) causa ranço, rejeição de consumo e risco de micotoxinas se não forem secados adequadamente.
Processamento e Acondicionamento
Para maximizar seu valor alimentar, os resíduos são submetidos a diversos tratamentos:
Ensilagem: Fermentar em condições anaeróbicas (por exemplo, cobrir com lonas os silos de polpa ou bagaço) permite conservar subprodutos com alto teor de água. Segundo estudos espanhóis, a ensilagem é simples e barata, embora produza fermentações com álcoois que devem ser controladas para evitar intoxicações.
Secagem e Moagem: A secagem solar ou mecânica de polpas e bagaços reduz o peso e previne fermentações indesejadas. Uma vez secos, os materiais fibrosos (seiva de cânhamo, bagaço de cana, cascas) são moídos ou peletizados para homogeneizar a ração. O processamento térmico (por exemplo, cozimento de polpa de batata) ou a prensagem mecânica (extração de água) são comuns para facilitar a conservação.
Tratamentos químicos/físicos: Com frequência, aplica-se calor ou agentes químicos para proteger nutrientes. Em tortas de oleaginosas (por exemplo, soja, girassol), foram utilizados revestimentos com gorduras e a aplicação de amidos ou formol para reduzir a degradabilidade ruminal da proteína. Tratamentos com formol (0,5–3% sobre o nitrogênio) ou com calor (120 °C) diminuem a degradabilidade ruminal de proteínas e amidos, aumentando a fração by-pass e melhorando a eficiência do animal. Em outros casos, são utilizados alcalinizantes (hidróxido de sódio ou cal) para aumentar a digestibilidade da fibra, conforme recomendado por guias espanhóis.
Fermentação controlada: Podem ser utilizadas culturas de bactérias ou fungos (fermentação em estado sólido) para enriquecer o substrato em proteína ou degradar compostos antinutricionais. Essa abordagem biotecnológica, juntamente com técnicas enzimáticas, abre caminho para a produção de ingredientes funcionais a partir de resíduos (por exemplo, produtos fermentados com leveduras ou musgos).
Recomendações por Espécie Animal
O aproveitamento de um determinado subproduto deve ser adaptado à espécie e ao sistema de produção:
Ruminantes (bovinos, ovinos, caprinos): Seu sistema digestivo lhes permite aproveitar fibras difíceis. Muitos resíduos podem ser incorporados em níveis moderados (por exemplo, 20-40% da ração total) sem afetar o rendimento. No Chile, foi relatado que a polpa de maçã (6-7% PB) foi usada em até 50% da dieta de novilhos, com ganhos de ~1,2 kg/d e 22 L/d em vacas leiteiras. A polpa de tomate (18-21% PB) foi incorporada em até 40% obtendo ~1,1 kg/d em novilhos e sem redução de produção em vacas (22-24 L/d). Em contraste, subprodutos com antinutrientes (taninos) devem ser limitados – por exemplo, o bagaço de uva não superou ~15% da dieta porque níveis maiores inibiram a fermentação ruminal. Recomenda-se introduzi-los gradualmente, analisando a resposta produtiva e ajustando ao estado fisiológico do animal. Existem tabelas técnicas chilenas e espanholas que sugerem níveis máximos de inclusão para cada subproduto e espécie.
Monogástricos (suínos, aves): Esses animais digerem mal a fibra bruta. Portanto, são escolhidos resíduos com alta digestibilidade ou que são submetidos a processamento intensivo. Um caso de sucesso é o grão de cerveja gasto (BSG - Brewer's Spent Grains): estudos demonstraram que pode ser incluído em até 20% em rações de suínos de engorda sem afetar seu crescimento. No entanto, aves e suínos não digerem bem polissacarídeos da parede celular (arabinoxilanos, β-glucanos); para usar BSG em aves, geralmente são adicionadas enzimas específicas (xilanase, β-glucanase). Em geral, os resíduos ricos em fibra estrutural (palha, bagaço não tratado) são pouco recomendáveis para aves e suínos, como destaca a literatura especializada. Por isso, para essas espécies, são preferidos resíduos de altíssima qualidade proteica (farinhas de subprodutos animais ou microbianos) ou que tenham sido previamente fermentados.
Outros animais (equinos, cabras, peixes): Em geral, aplicam-se critérios semelhantes aos ruminantes se puderem degradar fibra, ou aos monogástricos se não puderem. Cada caso requer avaliação local. Em todos os casos, é fundamental equilibrar a ração, monitorar o consumo e a saúde animal ao introduzir um novo subproduto.
Exemplos Práticos
Várias experiências ilustram os benefícios potenciais:
Polpa de frutas em ruminantes: No Chile, um programa de pesquisa integrou com sucesso polpa de maçã e de tomate em dietas de bovinos e ovinos. Em bovinos de corte, 50% de polpa de maçã manteve ganhos de ~1.2 kg/d, e 40% de polpa de tomate resultou em ~1.1 kg/d (sem reduzir o consumo). Em ovinos de engorda, a inclusão de 30–40% desses resíduos não afetou o ganho de peso (~240–250 g/d).
Grãos de cerveja em suínos: Diversos estudos recomendam até 20% de grão de malte gasto (BSG) em dietas de suínos de engorda, sem perda de rendimento. Na América Latina, algumas cervejarias entregam esse subproduto a baixo custo a fazendas locais, destacando sua “valiosa composição” (fibra, proteína residual) e sua disponibilidade anual.
Resíduos de queijo (soro de leite): No México, o soro de leite é pesquisado por seu alto conteúdo nutritivo e funcional. Embora grande parte seja descartada, foram desenvolvidos processos para convertê-lo em concentrados proteicos e alimentos fermentados, obtendo produtos de alto valor e reduzindo o impacto ambiental.
Cítricos e cana: Em regiões de cultivo de frutas cítricas, a polpa de laranja é comumente usada após a ensilagem. O melaço de cana, residual da indústria açucareira, é empregado para melhorar a palatabilidade de rações para ruminantes. Em vários países americanos, foram implementadas plantas de ensilagem de resíduos de frutas e hortaliças para alimentação animal, mostrando sucesso na conservação e uso efetivo da biomassa.
Essas experiências demonstram que o aproveitamento técnico de resíduos agroindustriais pode se tornar um aliado estratégico: agrega valor ao que antes era lixo, melhora a rentabilidade e promove uma pecuária mais sustentável.
Referências: Foram consultadas fontes acadêmicas e técnicas recentes que documentam casos práticos e bases científicas do aproveitamento de resíduos na alimentação animal (1). Cada afirmação é acompanhada de sua fonte específica para aprofundamento, se necessário.
(1, 3) Investigan la utilización de residuos vegetales en alimentación animal | RETEMA
(2, 4) Subproductos Agropecuarios en la Alimentación de Rumiantes | Intagri S.C.
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